Escrito por: Gabriella Braga

Movimentos negros cobram médico racista para construção de memorial em Goiás

Caso de racismo cometido pelo médico Márcio Antônio Souza Júnior aconteceu no início do ano, na cidade de Goiás. Acusado gravou e publicou nas redes sociais trabalhador rural negro acorrentado

Márcio Antônio é médico na cidade de Goiás

Movimentos negros de todo o país assinam uma ação civil pública pedindo a construção do Memorial do Povo Negro, na cidade de Goiás, como reparação por danos morais coletivos causados pelo médico racista Márcio Antônio Souza Júnior. Ele é alvo de investigação por gravar e divulgar nas redes sociais um trabalhador rural negro amarrado com correntes pelos pés, mãos e pescoço, em uma fazenda na cidade de Goiás. 

Na intenção de colocar o trabalhador como um escravo acorrentado, o médico ainda diz, rindo, enquanto puxa a vítima pela gargalheira: "falei pra ele estudar, mas ele não quis, então vai ficar na minha senzala". O crime foi registrado na propriedade rural da família de Márcio Antônio, Fazenda Jatobá, no dia 15 de fevereiro de 2022.

À época, o caso explicitamente racista causou intensa revolta na população goiana e brasileira, especialmente após Márcio Antônio tentar justificar o racismo, dizendo que foi apenas uma "encenação teatral" feita com o funcionário da fazenda. A justificativa foi fortemente repudiada e os movimentos negros enfatizaram que "racismo não é brincadeira".

"Na Cidade de Goiás, que teve suas ruas, casas e estruturas constituídas pelas mãos e pelo sangue do povo negro escravizado, além de muitas fazendas ainda terem espaços físicos e ferramentas utilizados no período de cativeiro, o ato racista tem uma conotação ainda mais grave", diz trecho da ação civil pública.

O documento é assinado pelo Movimento Negro Unificado (MNU), Centro de Referência Negra Lélia Gonzalez, Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado, Associação Quilombola Alto Santana, Instituto Braços – Centro de Defesa dos Direitos Humanos em Sergipe, Associação Anunciando a Consciência Negra Meninos de Angola, e a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), e foi incluído no processo no dia 1º de dezembro.

Ainda na ação judicial, os movimentos ressaltam que a fala do médico Márcio Antônio "expressa a persistência do racismo estrutural e da lógica escravagista que permeia as relações sociais e de trabalho no Brasil, no Estado de Goiás e na Cidade de Goiás." 

Iêda Leal, coordenadora nacional do MNU e secretária de Comunicação da CUT-GO, explica que a ação tem como objetivo reparar o crime cometido contra toda a população negra. "Crimes cometidos contra qualquer negro e negra, tendo a punição adequada, a reparação precisa ser voltada para o bem da comunidade. Não podemos abrir mão disso", afirma.

"Ações como essa são uma nova perspectiva de respostas a crimes raciais, porque permite uma reparação muito mais concreta do que apenas uma indenização por indenizar", diz Wanderson Pinheiro advogado do MNU.

Para o financiamento da construção do Memorial do Povo Negro, a ação judicial cobra cerca de R$ 2 milhões, além do bloqueio imediato dos bens do investigado, para garantia de pagamento. Outro ponto do documento é o custeio de bolsas de estudo destinadas à população negra da cidade, e a entrega imediata dos itens utilizados no vídeo, como grilhões, gargalheira e a corrente grossa, que serão expostas no memorial. 

O local tem como objetivo mostrar a história e a cultura do povo negro em Goiás e no Brasil. "É pedagógico, o retorno do que significou para nós a escravização do povo negro. Foi um crime, mas também há a contribuição do povo negro na construção do país. Indenização como essa deve sempre ser devolvida pra comunidade no sentido de construir espaços para a valorização da população negra. Racistas não passarão", enfatiza Iêda Leal. 

Para o advogado Wanderson Pinheiro, a construção do memorial busca formar "uma nova cultura de compreensão das relações raciais no país." E finaliza: "É um mecanismo de formação de políticas públicas no ensino étnico-racial do país."