Marcha das Mulheres Negras retorna após 10 anos
Ato trouxe o lema "Reparação e Bem Viver" para colocar em evidência a discussão por projetos políticos que busquem maior qualidade de vida através da igualdade racial
Publicado: 26 Novembro, 2025 - 14h24 | Última modificação: 26 Novembro, 2025 - 14h30
Escrito por: Juliano Cavalcante
Na última terça-feira, 25 de novembro de 2025, ocorreu a Marcha das Mulheres Negras em Brasília. Dez anos após a última Marcha Nacional, o movimento retornou com um chamado por Reparação e Bem Viver.
Esta edição reafirmou a urgência de um país comprometido com a reparação histórica, justiça social e um futuro de dignidade e cuidado frente ao aprofundamento das desigualdades.
Mulheres de todas as regiões do Brasil e de mais de 40 países se deslocaram ao longo da semana para a capital federal. O evento iniciou às 09 horas com Sessão Solene no Congresso Nacional em homenagem à Marcha e ao papel decisivo das mulheres negras na democracia brasileira. A solenidade contou com parlamentares e lideranças de movimentos negros.
"A participação política das mulheres negras é parte da nossa agenda de reparação: somos 28% da população, mas apenas 2% do Congresso. Estar aqui é disputar o Estado e afirmar que a democracia só existe conosco”, afirma Joyce Souza, coordenadora do Odara Instituto da Mulher Negra.
Após a solenidade, milhares de mulheres marcharam pela Esplanada dos Ministérios, no centro político do país. Uma mobilização com ampla diversidade que reuniu estudantes, professoras, representantes da comunidade LGBTQIA+, sindicalistas, artistas, mulheres do campo e quilombolas.
“Marchar no sentido literal, porque as ruas são o nosso lugar. Não marchamos simbolicamente; marchamos por reparação, contra o racismo, contra a violência e por um outro modelo de sociedade, por um Estado democrático de fato”, explica Valdecir Nascimento, fundadora do Odara, sobre o simbolismo do ato.
Durante a noite, representantes da Marcha foram recebidas em audiência pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin. A comitiva levou ao STF a urgência de enfrentar a política de segurança pública no Brasil, especialmente após a recente chacina na Penha, no Rio de Janeiro.
Janira Sodré, historiadora e ativista do Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras, destacou a importância dos movimentos populares no enfrentamento da segurança pública; sendo que a violência policial, doméstica e o feminicídio atingem profundamente as mulheres e comunidades negras.
"O episódio evidencia, de forma trágica e perversa, o quanto ainda precisamos, como país, enfrentar a segurança pública para produzir significados verdadeiramente republicanos sobre a vida do povo negro brasileiro, da juventude negra e das mulheres negras. É uma agenda central para o acesso à justiça, para o direito à vida e para reafirmarmos a nossa recusa
em morrer”.
Bem Viver
O lema "Bem Viver" nada mais é que um modelo de sociedade, inspirado em concepções latino-americanas e afro-diaspóricas. O modelo para ser concretizado necessita de um projeto político que contemple acesso a direitos básico e fundamentais como segurança, moradia, saúde, saneamento básico, educação e lazer; preservando o cuidado, o respeito, a dignidade, e a soberania.
Nesse contexto, Iêda Leal, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), reiterou os significados da luta dos movimentos sociais e a representação de atos como a Marcha.
"Marcha pelo Bem Viver é colocar, mais uma vez em evidência, as nossas inúmeras avaliações sobre como dirigir um país. Com coragem e a inclusão das pautas fundamentais para o Movimento de Mulheres Negras do Brasil, e com apoio internacional, marchamos juntas e certas de que poderemos derrotar todo preconceito e desigualdade que nos assola. Mantemos viva nossa ancestralidade em nome de Luiza, Lélia, Beatriz, Tereza, Dandara e tantas outras que lutaram pela liberdade dos nossos corpos e pela condição de buscarmos, com força, garra e suor, nossos direitos. Vamos continuar construindo o Brasil com a certeza de sermos plurais na resistência e de marcá-lo com pautas que garantam educação de qualidade, com referência racial na história e valoração do povo negro; saúde com atenção para a população negra; moradia digna; trabalho digno; segurança alimentar; e terras para o nosso povo quilombola. Isso significa Bem Viver".
Valorização da cultura
O evento também contou com diversas ações culturais ao longo do dia. Montada na área externa do Museu Nacional, a Feira das Ganhadeiras mobilizou afroempreendedoras de todas as regiões do país, fomentando a circulação de saberes e economia criativa na Marcha. O nome faz uma homenagem às Ganhadeiras, mulheres negras escravizadas ou libertas que sustentaram famílias e comunidades por meio do trabalho nas ruas, comercializando alimentos, serviços e conhecimentos, muitas vezes garantindo, com esse esforço, a compra da própria liberdade e de outras pessoas negras.
Vozes negras também ecoaram em uma série de shows gratuitos com artisttas independentes na área externa do Museu Nacional.
Semana por Reparação e Bem Viver
A Semana por Reparação e Bem Viver, realizada entre 20 e 26 de novembro, reúne mulheres negras do Brasil e de diversos países em torno da construção coletiva de futuros possíveis. A
semana funciona antes e após a grande Marcha, com atividades que incluem feiras, apresentações musicais, lançamentos de livros, rodas de conversa e espaços de partilha.