Encontro de Formação em Saúde do Trabalhador em Goiás recebe procurador do MPT
Na segunda etapa do Encontro de Formação Política preparatório para a 5ª CNSTT, o procurador do trabalho em Anápolis, Tiago Ranieri fez uma importante análise do mundo do trabalho e de suas possibilidades.
Publicado: 25 Fevereiro, 2025 - 14h40 | Última modificação: 25 Fevereiro, 2025 - 14h51
Escrito por: Renato Costa

Na tarde da última sexta-feira, 21 de fevereiro, após a exposição e o debate de lideranças políticas e representantes do Ministério da Saúde (MS) e do Departamento Intersindical de Estudos em Saúde e Ambientes de Trabalho (DIESAT), a secretária de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da CUT Goiás, Ivanilde Batista, abriu a segunda etapa do Encontro de Formação Política em Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora em Goiás agradecendo aos expositores e participantes da manhã, ressaltando a transversalidade das abordagens expostas, o que seria fundamental para abarcar a complexidade da saúde da classe trabalhadora e dos indivíduos que a compõe.
Em seguida, Ivanilde convidou à mesa, para que iniciassem sua exposição, o procurador do trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Anápolis, Tiago Ranieri. Também compuseram a mesa a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humano na CUT/GO, Flaviana Barbosa, e a presidenta do Sindsaúde/GO, Néia Vieira.
A contribuição do MPT para a Saúde do Trabalhador em Goiás
Tiago Ranieri iniciou sua fala com uma saudação aos organizadores do encontro: à CUT, aos sindicatos, à coordenação estadual das Conferências em Saúde, aos parlamentares envolvidos, aos movimentos sociais e aos demais presentes. Em seguida, fez uma autodescrição, nos lembrando da importância de considerar e contemplar as pessoas cegas, para que elas possam ouvir as exposições e apreender detalhes.
Anunciando o tema de sua exposição - A realidade dos tipos de trabalho em Goiás e no Brasil -, o procurador do trabalho ressaltou a extensão do desafio proposto, dada a complexidade do mundo do trabalho em nosso estado e em nosso país. A partir disso, ele enfatizou o contexto de ataque às condições de trabalho enfrentadas desde a década de 90, com o avanço das políticas neoliberais de desmonte do estado de bem-estar social.
Em suas palavras:
“O mundo do trabalho vem sendo diminuído aos olhos das instituições deste país. Ele é diminuído porque vivemos em uma sociedade que subordina, subalternizam corpos. Vivemos em uma sociedade patriarcal [...], vivemos em um país que tem uma estrutura capacitista [...], nós vivemos em uma estrutura racista [...], vivemos em uma sociedade capitalista, neoliberal, que proporciona a potencialização de todos os marcadores sociais.
Uma estrutura não só econômica, mas uma filosofia e um modo de vida econômico que precisa de corpos subalternizados para que outros corpos, que possuem os meios de produção, acumulem mercadorias e acumulem poder. [...] “Para falar de tipos de trabalho, é preciso, anteriormente, falar do trabalhador e da trabalhadora. É preciso saber se esse trabalhador carrega algum marcador social.” ”
A partir desse entendimento, o procurador do trabalho explicou a necessidade de aliar a crítica à estrutura capitalista com a análise das particularidades dos indivíduos e dos meios específicos pelos quais são explorados. Isso seria fundamental para entender-se a unidade da estrutura capitalista, comum aos diversos tipos de trabalho, sem deixar de agir sobre as implicações sociais específicas, em um movimento de luta ascendente, partindo das bases produtivas.
Outro aspecto fundamental levantado por ele foi o da invisibilização das irregularidades no mundo do trabalho, o que atinge negativamente à saúde e perpetua a exploração silenciosa dos que trabalham. Tais irregularidades resultam em violência, característica do sobretrabalho, o que, por sua vez, resulta em desigualdade social, que seria a marca fundamental do capitalismo, especialmente no neoliberalismo.
Para Tiago, aliado aos crimes contra os trabalhadores e trabalhadoras, está a promoção do medo da instabilidade econômica, a partir de um discurso oficial e midiático que afirma um estado de crise permanente e propõe a saída do nacionalismo vulgar, que promete um país do futuro, mas não entrega condições de vida e trabalho digno para seu povo.
Diante dessa realidade apresentada, destaca-se a importância das instituições públicas fiscalizadoras, como a Justiça do Trabalho, da Secretaria de Vigilância Saúde (SVS) e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) - ligados Ministério da Saúde (MS) e ao Sistema Único de Saúde (SUS) -, dos sindicatos, centrais e movimentos sociais que pautam e pressionam a estrutura capitalista a respeitar a legislação e a ampliá-la, no sentido de conter a exploração indefinida dos que precisam vender sua força de trabalho.
Tiago menciona essas instâncias de regulação como fundamentais à promoção, ao fomento do trabalho decente com vistas à emancipação social, o que só pode ser alcançado quando a centralidade do capital seja suplantado pela centralidade do trabalho em nossa sociedade. Ao tratar da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, ele mencionou a recente entrada da saúde mental nas normativas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o que foi reconhecido pela justiça do trabalho e passou a ser responsabilidade dos empregadores.
Apesar da natureza subjetiva desse tipo de adoecimento, ele é fortemente determinado pelas condições concretas de trabalho, por exemplo, a extensão da jornada e a relação do trabalhador com a realização e a supervisão das tarefas definidas. Essa compreensão deve nos alertar contra a naturalização do burnout, da ansiedade, ou da depressão, o que seria de interesse do que Tiago chama de “política de crise”, pela qual somos governados.
Existiria um psico poder, uma tecno política que impõe consensos por meio da ideologia neoliberal, de um saber poder que dissemina valores de máximo esforço para o trabalhador, criando subjetividades que interessam a um projeto político excuso. Diante da precarização, seria preciso deslocar o trabalho do lugar de simples ferramenta de sobrevivência para o seu lugar devido, de relação social protegida, inscrita na cidadania como direito universal.
Esse quadro de avanço neoliberal sobre o mundo do trabalho se concretiza em diferentes formas de trabalho precarizado, que o procurador do MPT elenca:
- plataformização, que se vendem como ferramenta de uma suposta autonomia do trabalhador mascaram os ganhos reais e resultam na imposição de jornadas de trabalho extensas e extenuantes;
- a pejotização, a transformação da pessoa física em pessoa jurídica, o que também é vendido como autonomia, mas resulta na perda de direitos relativos à pessoa humana, como férias, licença saúde, aposentadoria, etc.;
- a terceirização, a intermediação de mão de obra que visa diminuir custos;
- a gameficação, a competição estimulada por meio de jogos baseados em metas de produtividade, o que resulta em sobretrabalho;
- o credenciamento, que é uma pejotização no serviço público que permite ao Estado se eximir dos custeios orçamentários e coloca o trabalhador na condição de diarista, como prestador de serviços, inclusive colocando em um mesmo ambiente diferentes regimes de contratação, o que estimula o assédio e a competitividade.
Ao final de sua exposição, o procurador do trabalho Tiago Ranieri apresentou uma série de propostas para superar essas formas precarizadas de trabalho:
- Observância dos acordos internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e das normas regulamentadoras (NRs) do MTE;
- Mobilização sindical renovada por um novo modelo de financiamento e de filiação;
- Revisão dos retrocessos estabelecidos pela Reforma Trabalhista de 2017, especialmente a flexibilização das relações de emprego;
- Superação do individualismo e do narcisismo embutidos no ideal de empreendedorismo e da ideologia neoliberal que o alimenta;
- Superação do processo de desmobilização e atomização da classe trabalhadora.
- Controle dos espaços de poder capazes de assujeitar e retirar direitos com a anuência dos sujeitos alienados pelos dispositivos ideológicos;
- Valorização do salário mínimo e da formalização das relações de trabalho que garantam direitos historicamente conquistados;
- Controle das ferramentas tecnológicas a serviço das relações sociais reguladas pelo poder público;
- Reorientar a economia para a garantia de direitos e não sacrifica-los em nome da expansão produtiva;
- Garantir a proteção social com proteção de direitos dos mais vulneráveis;
- Regular formas de sociabilidade que atentem contra o estado de direito, como o fundamentalismo religioso e o extremismo político;
- Regular o mundo do trabalho que produz desigualdade, como é o caso do agronegócio orientado para a produção de commodities em detrimento da segurança alimentar da população;
- Investir na criação de postos de trabalho verdes, sustentáveis e capazes de criar mais valor agregado, o que passa pelo investimento em educação e pesquisa científica.
Por fim, ele apresentou ao auditório a plataforma do Observatório do MPT em parceria com a OIT, que cruza dados de diversos órgãos públicos, municipais, estaduais e nacionais, relativos à força de trabalho no Brasil e que podem servir de base para projetos, decisões e medidas dos sindicatos e outras organizações políticas.
Para mais informações, assista à íntegra do vídeo da segunda parte do Encontro de Formação Política em Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora em Goiás, pelo canal da CUT/GO, no youtube!